11.8.09

De mim para ti, que nunca vais ler isto!

Avô,
Cinco anos… durante cinco anos não te quis ver… afastei essa realidade em que já não existias em ti, e vivi o sonho de que eras o mesmo que me deixava calçar sapatos alheios, que me perdoava traquinices, que me dava dinheiro às escondidas, aquele a quem me pediam em namoro quando ainda nem sabia escrever!
No último ano a realidade foi-se apossando mais e mais de mim, foi tomando conta da minha consciência, dos meus pensamentos e instalou o medo. O medo de te perder sem ter tido a coragem de te lembrar quem sou, do que és para mim, do que foste para mim, do que fomos juntos!
Chegou a hora, vacilei… disse que sim, pensei tantas vezes que não, mas fechei os fantasmas e fui! Fui ver-te!
Cheguei com medo, acobardada por saber que não ia encontrar-te, que não ias saber quem sou, que não ias lembrar-te da nossa história, mas cheguei!
Tinha razão! Não estavas… à entrada informaram-me que tinhas chegado do hospital e que o médico te mandou de volta para morreres em paz na tua cama! Tremi… mas não quis acreditar! Angústia! Rodei a maçaneta do teu quarto a tremer, angustiada por não saber se ainda abrias os olhos para me ver… porque é que fui tão cobarde… não sei se chego a dizer que te adoro!
Entrei! Estavas prostrado como morto, sem acção nem reacção, os olhos não abriam para me ver, as mãos não mexiam para me tocar, os lábios não abriam para me saudar, o peito não subia a respirar… o fim… julguei que era o fim! Chorei… chorei a alma, a saudade, a mágoa, a tristeza, enfim!
Fui embora, tinha de ir! Voltei à tarde e como por milagre os teus olhos já me viam, as tuas mãos agarraram as minhas e não me queriam largar… palavras não proferiste, mas os olhos, os teus olhos gritavam que sabias quem eu era e que as saudades que tinha em mim, estavam também em ti!
Hora de descansar… vim embora de novo, mas vi que estavas contrariado, que me puxavas mais e mais para junto de ti, fechaste os olhos e temi que te fosses embora agarrado a mim… mas não… estava só cansado… deixei-te descansar!
Acordei impaciente, na manhã seguinte, queria tornar a ver-te! Certificar-me que mantinhas os olhos abertos para me ver… quando te vi na sala, sentado, as mãos a tremer, o olhar perdido tive vontade de chorar novamente. Desta feita porque como por milagre parecias a recuperar! Aproximei-me de ti e dei-te a mão. Agarraste-a como se fosse tua, porque no fundo sempre foi um pouco tua! Olhei os teus olhos e estavam marejados de lágrimas, felicidade? Sim! Só podia ser a felicidade que eu estava a sentir estampada no teu rosto magro, com o bigode eterno e os olhos de carinho. Perguntei-te se sabias quem eu era! Não esperava resposta pois sei o quanto te custa balbuciar umas palavras, mas contra as marés do sacrifício respondeste-me “És a minha neta Ana”! As minhas lágrimas soltaram-se como se tivessem presas numa represa e olhei à minha volta, procurei o assentimento da minha mãe, se teria ouvido tais palavras ou se seriam fruto do meu desejo de que me reconhecesses… era verdade… sabias quem eu era! Esperaste por mim, não me esqueceste por um segundo!
Brinquei contigo como antes fazia, recordei histórias de meninices e partidas que preguei e tu sorriste, riste para mim e os olhos rasados de água outra vez, soltou-se uma alegria tamanha no peito que não posso explicar, tudo fez sentido… o meu avô continua lá, para mim… só para mim… não conheceste a tua filha, o teu genro as tuas amigas… não me importa… lamento, mas não me importa porque sabes quem sou!
Marquei a tua existência como tu marcaste a minha e por isso, de certeza que por isso, sabes quem sou!
Temos de ir embora, peço-te um abraço, não consegues dar-mo porque os teus braços não têm força para se erguerem, mas recompensas-me com o maior e mais doce dos beijos, o Teu!
Estou mais alegre esta manhã, é hora de voltar para casa e estás melhor, bem melhor do que te encontrei! Arranjo o meu saco, despacho tudo, pego no carro e lá vamos nós!
Cheguei avô! Vim despedir-me!
O meu pai que segura a tua mão aponta-te a minha chegada, olhas para mim e sorris, que sorriso lindo o teu… apesar de tudo o que te consome continuas a sorrir com os olhos, com a alma!
Não posso estar muito tempo, tenho de ir, quero só lembrar-te que aqui estou, que te adoro e que tens um lugar muito especial no meu coração e nos meus pensamentos. Agarro a tua mão, dou-lhe um beijo. Paras de tremer a cada beijo que te dou na mão, volto a brincar contigo, sorris para mim, apertas mais a minha mão, e quando digo que vou embora pedes baixinho “leva-me contigo”. O meu coração abriu-se ao meio! Não posso avozinho, como gostava, mas não posso… estás melhor aqui onde podem tratar de ti, onde tens tudo o que precisas e que não te posso dar, queres ir para tua casa, mas quem iria cuidar de ti se lá não mora ninguém?
Não posso, o meu coração fica desfeito em pequenos bocadinhos que tento colar com as lágrimas que me assomam os olhos!
Encho-te de beijos e recompões-te! Voltaste a sorrir, olhaste para mim e sorriste de novo!
Digo-te adeus, está a ficar tarde e tenho de ir… Adeus avozinho, tenho de ir! Sorris, os olhos tornam a ficar rasos de água e quando te abraço dás-me um beijo e balbucias “ minha neta”. Abraço-te com mais força, na esperança que este abraço, o carinho nele contido, te dê mais vida, te deixe o meu cheiro para que ao fim do dia ainda saibas que a tua neta, a caçula, lá esteve e te abraçou, e te beijou, e te fez rir, e te fez chorar, e te lembrou que ainda não esqueceste tudo, nem todos os que amaste e que no fundo das memórias que te custam encontrar ainda amas!
Obrigada por me dares a oportunidade de te dar um beijo reconhecido, por saberes quem sou!
Um beijo com saudade,
A Tua Neta!

1 comment:

Me, myself and I said...

Sinceridade e amor verdadeiros. Ainda não me é fácil ler ou comentar mas, ainda assim, parabéns pelo acto de amor que significa este desabafo.
***Beijo***